Peixe do tempo das bandeiras volta a povoar o Alto Tietê
Nas artes, ela é citada por Mário de Andrade no poema "A Meditação sobre o Tietê". Na ciência, o ciclo reprodutivo da tabarana, espécie de peixe que está sendo recolocada nas cabeceiras do próprio Tietê, ficou documentado pelo famoso zoólogo Rodolpho von Ihering (1883-1939), nas várzeas do rio "Tamanduatey", entre as estações "Ypiranga" e São Caetano, ou seja, em plena zona metropolitana de São Paulo.
É bem possível que os bandeirantes e os jesuítas pescassem a espécie, que também vivia no "famoso" riacho do Ipiranga, na Vila de Piratininga (peixe seco, em tupi). Mas a poluição chegou ao longo do século 20. Do rio Tietê, a história é conhecida: no trecho em que corta a capital paulista, morreu. A tabarana (Salminus hilarii) acabou aprisionada na cabeceira do rio.
"Hoje, nesta região, ela ocorre até Mogi das Cruzes na Grande São Paulo, e existe também nos rios Biritiba e Paraitinga", afirma o pesquisador Alexandre Hilsdorf, que está tocando um projeto de repovoamento de tabaranas patrocinado pelo Daee (Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo) --que tem vários reservatórios na região e, por isso, é obrigado por lei a cuidar da fauna que existe em suas águas.
Pelas contas do pesquisador da UMC (Universidade Mogi das Cruzes), 4.000 tabaranas jovens já foram soltas no Alto Tietê nos últimos anos. Junto com esses primos do dourado, que podem chegar a 30 cm de comprimento, mais 10 mil lambaris-de-rabo-vermelho foram soltos. As tabaranas são migradoras. E comem lambaris.
O projeto na cabeceira do Tietê, que já dura cinco anos, tem um objetivo de campo e outro de laboratório. Uma das preocupações, afirma Hilsdorf, é com toda a cadeia ecológica da região. "A tabarana é carnívora e está no topo da teia alimentar. Ter essa espécie em boas condições na região é uma certeza de que todo o ecossistema também está bem."
Dentro do laboratório, as pesquisas estão identificando todo o ciclo reprodutivo das tabaranas, algo que não havia sido feito ainda. Esta parte do trabalho está sob responsabilidade de Renata Guimarães Moreira, da USP. A tabarana, apesar de não ser um peixe pequeno, é muito sensível -e não se reproduz em cativeiro.
Hoje, nos tanques do projeto que ficam em Salesópolis, ao lado da barragem Ponte Nova, que represa as águas ainda limpas do Tietê, existem 141 reprodutores selvagens. Depois de alguns anos de tentativa, os cientistas finalmente conseguiram reproduzir o peixe. Com uma injeção de hormônio, é possível estimular a desova de forma artificial. A fecundação é feita no tanque.
Na natureza, o período de reprodução ocorre entre a primavera e o verão. E os peixes sobem o rio atrás de áreas de remanso para a desova, cada vez mais difíceis de achar. "Um dos problemas que tivemos que enfrentar foi o canibalismo entre os jovens", diz o biólogo. "Agora já se sabe que a oferta de Artemia [um pequeno crustáceo] para os animais impede que um coma o outro dentro dos tanques."
Os pesquisadores calculam que, no ano que vem, 5.000 alevinos sejam produzidos para a reposição no Alto Tietê. Um dos obstáculos para as tabaranas, por causa dos reservatórios, é ultrapassar as barragens para subir os rios. "Mas, mesmo assim, já encontramos algumas tabaranas dentro dos reservatórios", disse Hilsdorf.
Numa madrugada, relembra o cientista, 80 tabaranas foram localizadas dentro de um poço próximo a uma das barragens. Os peixes entraram, mas como aquele corpo d'água foi esvaziado depois, eles não conseguiram sair. Foram todos resgatados, mas morreram nos tanques devido a um parasita.
Nos próximos anos, Hilsdorf afirma que o importante será analisar a qualidade do processo de repovoamento. "Do ponto de vista genético, precisamos ver como anda a variabilidade da espécie. Nossa intenção é desenvolver marcadores de DNA para ver o quanto de material reintroduzido está sendo realmente recrutado (distribuído na população)."
Existe até a suspeita de que a barreira química do Tietê possa estar fazendo com que a tabarana de Mogi e região esteja virando uma nova espécie. O status de vulnerabilidade das tabaranas é uma incógnita. Mas Hilsdorf é otimista: "Caso um dia a barreira química na cidade de São Paulo desapareça, será possível voltar a pescar tabarana no Tamanduateí."
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